Entrevista com Aleya of Cairo - Imersão na Cultura Egípcia

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by Isis Zahara

" Port Moresby: Well,terra firma.
Tunner: We're probably the first tourists they've had since the war.
Kit Moresby: Tunner,we're not tourists.We're travelers.
Tunner: Oh. What's the difference?
Port Moresby:A tourist is someone who thinks about going home the moment they arrive,Tunner.
Port Moresby:Whereas a traveler might not come back at all.” 

The Sheltering Sky Bernardo Bertolucci 1990


Aleya é americana, professora convidada todos os anos a lecionar em dois grandes festivais do  Egito, Nile Group Festival e Ahla wa Sahla Dance Festival produzido por Raqia Hassan. No Egito ela se apresenta em festas, hotéis 5 estrelas e você poderá assisti-la no famoso Nile Maximum onde também se apresentam estrelas como Randa Kamel.


Nos EUA ela trabalhou com a famosa Adam Basma Dance Company, teve sua própria companhia de dança, Negma Dance que ainda existe  em Los Angeles. Produziu seu próprio cd "Bellylicious Raks" pela produtora independente Record Store Baby.
Ganhou alguns prêmios importantes como Belly Dance of the Universe e foi People's Choice Award além de ter sido top finalista para a primeira audição das Belly Dance Superstars.

Aleya tem mais de 13 anos de experiência como performer e instrutora em Los Angeles, California e desde 2008 mora no Cairo, Egito.







Em 2011 o Egito sofreu uma das maiores revoluções populares da história e transformou a vida de todos que lá residem. Muitos artistas precisaram sair do país mas alguns por lá ficaram. Aleya foi uma dessas pessoas que se manteve entre a população assistindo e registrando um dos mais importantes momentos da história Egípcia.
Em seu blog você poderá encontrar mais momentos interessantes, comprar maravilhosos figurinos e ainda ver o preview de seu livro "18 Days" com maravilhosas imagens de seus dias na praça Tahrir:





IZ - Antes de se mudar  para o Egito você já tinha uma carreira consolidada nos EUA. O que a motivou largar tudo e ir para o Egito?
Aleya - Sim, nos EUA eu sou bem conhecida, principalmente em Los Angeles, California e eu estava com a agenda lotada. Eu tinha minha própria companhia dança, minhas garotas continuam dançando por lá. É difícil de acreditar que agora já se passaram 3 anos que eu larguei tudo em Los Angeles. Mas, eu larguei por muitos motivos: eu trabalhava como corretora de imóveis eu sabia que a economia estava decaindo e isto me incomodava muito. Eu também tinha comigo a sensação de já ter conquistado tudo na vida, menos ter dançado  no Oriente Médio e isso era uma coisa que eu queria muito.
 






 Eu andava decepcionada com várias coisas em minha vida e acabei participando de um seminário e acabaram me perguntando uma questão importante: "Se você tivesse todo o tempo, todo o dinheiro, energia para fazer somente o que você quer, o que você faria?" e  única coisa que eu conseguia pensar era dancar no Oriente Médio, foi quando o organizador disse pra diretamente para mim: "Isso é o que você precisa fazer!" E eu comecei a fazer esse sonho acontecer. 




IZ - Você teve um convite da Randa Kamel? O que ela falou pra você?
Aleya - Não, ela não me convidou diretamente. Isso é o que as pessoas falam, a história. Um ano antes eu me mudar, fui ao Egito estudar com ela por 4 semana, aulas particulares no studio dela. Nós tivemos uma grande empatia uma pela outra e ela chegou a comentar que eu lembrava sua irmã.  Então, ela disse: “Aleya!! Você deveria se mudar para o Cairo e dançar aqui.” a que eu refutei dizendo que eu já não era uma menina e meu tempo estava terminado. Mas, ela insistiu e me indicou exemplos de várias mulheres que estavam dançando profissionalmente no Cairo e eram mais velhas que eu e que provavelmente minha aparência confundiria as pessoas a acharem que eu realmente fosse egípcia . 
 Eu não pensei muito, estava mesmo decidida sobre o assunto. Uma amiga minha Iris Parker, que morou no Egito por alguns anos confirmou que eu deveria tentar. foi uma movimentação cósmica favorável se é que eu posso dizer isso.
 Quando o mercado de imóveis começou a cair eu me dei conta que era hora de mudar e tentar uma nova aventura. Eu estava estressada com trabalho, namorado, companhia de danca e tantas outras responsabilidades, que eu parei e pensei, "por quê não!? Eu devo pelo menos tentar!"
 Comecei então a me organizar para a grande mudança, mesmo assim perguntei para vários amigos e com exceção de minha mãe, todos estavam positivos com minha decisão.


"Você precisa respeitar pessoas da comunidade,
tratá-las com respeito e elas respeitarão você.
Primeiro de tudo, você precisa se protar de maneira respeitável.
Se você chega de madrugada parecendo uma garota de programa
isso não vai cair bem com os vizinhos."



3 – Quando você teve algum problema de adaptação? Eu li um artigo da Princess Farhana (Princess Farhana’s blog) que você ficou um pouco desanimada com o mercado egípcio.
Aleya - Bem, problemas? - rindo- São tantos os problemas aqui. Tudo funciona no tempo do Cairo que é baad bokra (after tomorrow): 5 minutos são 3 horas e amanhã talvez queira dizer nunca mais. É o lugar das promessas quebradas. Muitas pessoas prometeram-me um contrato e isso nunca aconteceu.
Eles me assistem, gostam dos meu figurinos, da minha dança mas, sorte no Cairo é estar na hora certa, no lugar certo e conhecer as pessoas certas. Você não pode apenas vir aqui e dançar como eu fazia nos EUA. É ilegal dançar e existe a polícia da dança que se te pegar sem as autorizações podem lhe causar uma tremenda dor de cabeça.
todo o processo burocrático é muito complicado, você não pode imaginar com quantas pessoas precisa agendar e são tantos papéis para trabalhar. É meio ridículo mas assim é que é.
  Além de tudo é uma comunidade muito pequena, você precisa ter cuidado com suas relações ou andar com pessoas que não são de confiança.






  
IZ - Como sua vida pessoal foi afetada com a mudança para o Egito? Você pode contar alguma coisa?
Aleya - toda minha vida eu tive namorado, mas quando eu vim para cá eu já sabia o que os egípcios pensam a respeito das dançarinas. Normalmente eles querem se casar no mesmo instantes que eles gostam de você. Mas, eu preferi manter-me solteira e por dois anos eu não tive nada, nem beijo. Logo depois da revolução eu encontrei uma pessoa e estamos juntos até hoje.
Nós que trabalhamos no Oriente Médio, quando temos um namorado árabe normalmente usamos a sigla MMID (My mohamed is different - meu Mohamed é diferente) - rindo - Nós sempre queremos acreditar que eles pensam diferente, mas na realidade são todos iguais.
É a cultura deles e nós somos educados de forma diferent, podemos apreciar, respeitar, mas acredite em mim, jamais entenderemos. Eu conversei com meu namorado que se ele estivesse confuso em apresentar-me para seus pais ou mentir para eles a meu respeito eu não me sentiria bem. Quando fui apresentada para eles eu disse a verdade, que eu sou dançarina. Eu sei o que eles pensam de mim  e eu quero quebrar esse estereótipo. Até onde eu sei não há problemas maiores em relação ao meu trabalho.
É mais fácil quando você tem um marido egípcio, ele toma conta de você e cuida de tudo a minha volta e me protege. Eu pensei que poderia fazr tudo isso sozinha como eu fazia nos EUA, mas aqui você é mais respeitada se você tem um "marido". Eu sou muito agradecida em ter encontrado alguém que confia em mim, me respeita e está sendo uma benção em minha vida.


Aleya by Denise Marino


IZ – Você acredita que depois dos escandalos com Dina os egípcios ficaram mais reservados em relação a Dança do Ventre?
Aleya - Não, eu acho que não afetou muito não. De qualquer forma ela continua famosa e é uma das mais populares dançarinas do Egito. Sim, as pessoas gostam de falar sobre ela, é uma relação de amor/ódio, mas ela utiliza isso e não dá muita atenção. Do contrário ela jamais dançaria novamente no Egito. Ela muito forte e eu a admiro por ser dançarina num país tão conservador.



Aleya with Dina


IZ - Especulando sobre a má reputação da Dança do Ventre em países do Oriente Médio. Você já sofreu alguma discriminação por ser bailarina?
Aleya - Essa questão é interessante. É verdade, Nós sofremos pela má reputação pois vivemos em um país muçulmano que cobre o corpo feminino e não é considerado lícito mostrar partes do corpo em público.
É assim que a cultura egípcia vê a dançarina, você precisa tomar consciência desta realidade. Eu procuro não usar uma saia curta ou um top quando ando nas ruas. 
Este olhar está direcionado a todas as arte e não apenas sobre a dança. Se você é cantor, ator, músico, fotógrafo, profissões apreciadas no Ocidente, são de uma certa forma discriminadas por aqui. E somos todos vistos como uma casta menor.
  A não ser que você seja muito famoso, então eles os amarão! - risadas - É uma realidade contraditória e confusa sim.
Outra coisa que eu notei, muito estranho, é de que quando eu danço com um figurino mais feachadinho, minha performance pode ser maravilhosa, mas o público não responde tanto quando estou vestindo alguma coisa "risqué"; a audiência me aplaude como se eu fosse uma estrela - rindo - Eu acho isso engraçado e eu me apresento especialmente para famílias egípcias de alta classe, hotéis cinco estrelas, resorts onde crianças estão sempre presente.






 Mas, eu nunca revelo que sou dançarina, em meu dia a dia no Cairo. As vezes eu digo que dou aulas de dança, mas nunca que me apresento. Quando eu me mudei para cá eu disse à dona do flat (uma senhora coberta que também mora na vizinhança) que eu estava estudando árabe e pretendia escrever um livro. Claro, só de você sair de casa à noite com uma mala, uma bengala e toda maquiada (sem batom!) todo mundo sabe que eu sou dançarina. 
Uma das garotas que chegou a morar comigo tinha um amigo que morava em um prédio próximo e nós não sabíamos. Ela estava no telefone conversando com ele e ele comentou - "Você sabia que tem uma dançarina em nosso bairro?" - e ela perguntou  - "Como você sabe?" - sem dizer que ela morava comigo. Ele contou que o bowab (porteiro do  predio) contou a ele e que todo mundo já sabia.
 Esse fato foi engraçado. Todo mundo sabe que eu danço e eu nunca tive problemas. Eu acredito também na conduta, em como eu me porto, não tenho homens todo o tempo ao redor da minha porta (o que não é polido em nenhum caso), eu respeito as pessoas do meu bairro e todos me respeitam.
 Eu tenho muitos amigos que são performers e eles moram em outros bairro do Cairo, embora ninguém fale diretamente, todo mundo sabe de nossas vidas e se você respeita os outros eles respeitam você.
Se você volta tarde da noite, bêbada, vestida como uma "garota de programa" não é agradável para os vizinhos. Eu vou a muitos cabarets e nightclubs e nunca retorno bêbada, sempre volto sozinha e as pessoas sabem meu caráter, consequentemente eu não tenho problemas em geral e sou muito grata por isso.
  


"Eu sou muito grata por ter vivido essa experiência 
e estar presente nesta mudança. Meu namorado acabou 
 fotografando também e nós nos vimos fotografando, 
são maravilhosas fotos da revolução. Nós capturamos uma parte
 importante da história da humanidade e 
isso é jornalismo cidadão."



IZ -Para seguir professionalmente no Egito, a bailarina precisa pagar por mentor ou agente? O que pode acontecer se você optar por trabalhar sozinha?
Aleya - Sim, você precisa ter um agente ou um mentor. Eles cuidarão de sua banda, arrumarão shows para você e checkar tudo para você. Não é obrigatório ter um agente, mas apenas como o namorado isso ajuda muito na negociação e você tem um status maior se tiver um. Assim também você se foca apenas no seu show e outros probleminhas de produção fica por conta de seu agente.



photo Elan Rafaat

IZ - Eu fiquei impressionada com suas descrições sobre a revolução Egípcia e com as fotos que você tirou. Teve uns comentários de você estaria se auto-promovendo ao publicar essas fotos no blog. É verdade?
Aleya - Eu não tentei me autopromover no meu blog, embora algumas pessoas tentaram divulgar. Eu cheguei a ler insinuações de que eu não deveria publicar essas fotos porque "não somos jornalistas e esse não é o nosso trabalho" . Mas eu estava fascinada com o que vinha acontecendo e em vez de ficar em casa com medo eu saí nas ruas.
Como americana me sintia tão longe das guerras, manifestações e revoluções. Foi um momento fascinante para mim, eu sinto falta desses momentos. Nós tinhamos um sentimento geral de "os Egípcios são os melhores e poderão vencer qualquer coisa!". Todos os homens saíam para proteger seus bairros, ficavam sentados nas potas das casas, todos eram voluntários a coordenar o tráfico, a ajudar. Nós eramos todos orgulhosos pelo Egito.
 Eu sou muito grata por ter vivido essa experiência e estar presente nesta mudança. Meu namorado acabou fotografando também e nós nos vimos fotografando, são maravilhosas fotos da revolução. Nós capturamos uma parte importante da história da humanidade e isso é jornalismo cidadão. Eu tive sorte de parecer egípcia e desde que eu não precisasse falar muito, eu pude andar pela praça Tahrir sem ninguém suspeitar.
 Se eles percebessem que eu era estrangeira, segurando uma camera nas mãos, poderia ser mais complicado sim.






IZ – Você estará presente no próximo Ahlan Wa Sahlan Festival in Egypt. Como é estar lecionando no mais importante festival de Dança Oriental do mundo? Você pode antecipar alguma coisa especial para esse ano?
Aleya - No ano passado Raqia Hassan pediu para eu lecionar no festival deste ano 2012 e eu estou em seu novo DVD interpretando duas de suas coreografias e auxiliando -a na parte didática. Ahla wa Sahlan é o mais antigo e maior de todos os festivais do Egito. Todas as estrelas do Cairo são convidadas e muitas bailarinas estrangeiras participam. Ela está trabalhando sim em uma surpresa especial, mas eu não posso dizer o que é!
Raqia Hassan é maravilhosa, professora e coreográfa, quem nunca teve a chance de aprender com ela eu recomendo. 
Como não sabemos o que acontecerá com a Dança por aqui nos próximos anos eu recomendaria as pessoas virem agora.
 





IZ - O que você pensa sobre o futuro da Dança Oriental nos próximos anos?
Aleya - Nós não sabemos o que esperar do futuro. Para os conservadores muçulmanos a Dança Oriental não é algo interessante, artístico ou bom para a alma. Os figurinos incomodam e vão totalmente contra os preceitos religiosos. Eu espero que a Dança Oriental não seja banida do Egito, mas isso pode sim acontecer.
 

IZ - O que você pensa o seu futuro como uma estrela no Egito?
Aleya - Bem, para ser uma estrela no Egito, muitos anos de trabalho e trabalho duro. Meu empresário disse já para mim - "Aleya, você deveria ter vindo 10 anos atrás!" - A dez anos atrás isso seria possível, mas agora, depois da revolução, tudo caminha muito devagar e eu não tenho muita esperança. Eu estou feliz de trabalhar no Cairo, ter uma audiência que me aprecia, bons agentes e gerentes que apreciam meu trabalho. Estou feliz em realizar meu sonho. Nós nunca sabemos o reserva o futuro, mas uma coisa é certa, eu cumpri meu sonho e estou feliz por isso. Eu amo o Cairo, sempre. Tem uma coisa mística, mágica com o Egito e você precisa vir e viver sua experiência . Eu desejo todas as bailarinas tenham essa oportunidade de dançar aqui, nem que seja uma vez na vida.
   



Notas

Dina teve u caso secreto com Hossam Abol Fotouh. Alguns vídeos que ele gravou tendo relações sexuais com a estrela foram publicadas na internet causando um escandalo que abalou a carreira de Dina e toda a conservadora sociedade egipcia. Houve rumores de que ela pararia de dancar, mas não, Dina continua se apresentando e fazendo sucesso. Em 2011 ela publicou sua biografia Huriati Fi Al Raqa (Minha liberdade dançando)

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