Entrevista com Magda Monti - Atrás das Mil e Um Noites
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by Isis Zahara
"Para entender um povo você precisa viver entre eles durante 40 dias."
Provérbio Árabe
A história de Magda Monti parece ter saído de um conto das Mil e Uma Noites. Sua interpretação é exótica aos egípcios, pois revela a herança latina. Sensual ao desdobrar as notas do accordion, tem a delicadesa Hawanin, e as vezes me faz lembrar Taheya Carioca.
As 1001 noites - presente do pai |
Magda Monti nasceu em San Miguel de Tucuman, Norte da Argentina. Em 2005 iniciou os estudos na Arabian Dance School de Amir Thaleb em Buenos Aires. Amir thaleb é mundialmente conhecido como coreógrafo, performer e está presente nos principais festivais de Dança Oriental do mundo.
Em 2009 um fato inusitado aconteceu e por muita sorte - pois momentos assim nem sempre têm resultado positivo - Magda precisou repor uma bailarina em um dos mais prestigiados Cruzeiros do Nilo. Sua primeira apresentação foi tecnicamente impecável e ela conquistou não só a audiência como os organizadores. A partir deste dia Magda Monti é oficialmente solista do Nile Pharaoh Cruise no Egito.
Ela também tem um blog - Del Cairo com amor/ from Cairo with love - onde você pode encontrar mais histórias sobre sua vida no Egito.
IZ - Como você começou a se interessar pela Dança Oriental?
MM - Eu me envolvi com a Dança Oriental através da música. Um dia caiu em minhas mãos um Cd do Amr Diab, a melodia entrou pelos meus ouvidos e eu não posso explicar o que eu senti com "Amarain" ou "Nour el Ain"...simplismente, eu tive que dançar! Eu estava decidida a procurar ppor algum professor de dança na minha cidade.
O tempo passou e meu pai estava relutante em pagar pelas as aulas. Ele sempre dizia - "Eu não tenho condições de pagar pelo seu curso!" (Eu acho que ele não queria que eu continuasse dançando.). Então, eu comecei a dar aulas na sala de minha casa para poder pagar meus cursos e figurinos. A sala de estar transformou-se em uma sala de dança e eu nunca mais parei pelo meu sonho!
"Eu não comecei a dançar no Egito por mágica
apenas com um único passo!
Eu tenho anos de treino e acredito no meu trabalho!
Muitas pessoas irão odiar....Sinto muito !"
IZ- Você começou Dança Oriental na Arabian Dance School de Amir Thaleb. Como foi aprender com ele?
MM - Eu preciso ser honesta e admitir que as primeiras semanas em Buenos Aires foram um choque. em todos os sentidos, pois eu deixei minha cidadezinha no interior da Argentina e me vi no ritmo da capital de Buenos Aires. Eu me lembro de todas as minhas espectativas - Ter vearios workshops com professores argentinos, eu estava exitante até conhecer Amir Thaleb.
Eu tinha visto um vídeo dele mas conhece-lo pessoalmente é outra coisa! Eu me lembro estar esperando para registrar-me nas aulas. De repente ele apareceu e eu olhei pra ele quase morri quando ele sorriu pra mim.
Durante suas aulas eu sentia a mesma coisa que eu senti ao ouvir Amr Diab.
Amir é uma pessoa que viajou por todo mundo, dançou nos mais importantes palcos, é respeitado mundialmente, mas é humilde e conversa com você de igual para igual. Isso é muito raro de se ver entre muitos profissionais.
Depois desta primeira semana eu tive que voltar urgente para minha cidade, pois meu pai caiu doente e acabou morrendo em poucos dias. Quando eu pude visita-lo ele me perguntou sobre as aulas e eu respondi que era tudo o que eu queria na minha vida. Ele me respondeu: "Se é o que você realmente deseja, siga em frente!"
Foi um sacrifício para mim viajar todos os meses para Buenos Aires para as aulas e estar preparada para os exames no final do ano, no mínimo você precisa de $1000,- pesos por mês! Mas eu não me importava com os gastos, estar dançando nas aulas recompensava todo o esforço e foi assim durante 4 anos até eu viajar para o Egito.
IZ - Conte-nos como você começou a dançar no Egito.
MM- Eu estava no momento certo, na hora certa! Uma dançarina cancelou um show e eu tive condições de substituí-la e a minha dança conquistou a platéia. Nesta mesma semana eu dancei 3 vezes.
O gerente ofereceu os papeis do contrato na hora, mas eu tive que voltar para a Argentina e acertar algumas coisas, pois não podia desaparecer assim e nunca mais voltar!
Após 6 meses, eu voltei, o que é um longo tempo e eu tive que participar de uma audição pois o gerente do cruzeiro era outro.
Durante a audição haviam bailarinas egipcias e estrangeiras e eu consegui ser aprovada com sucesso! O gerente veio até mim e disse: "Você se parece com egípcia, mas sua dança é exótica!". Mesmo assim, meus papéis ficaram prontos 3 meses depois.
IZ- Atrás do glamour como que é ser estrangeira e bailarina no Egito?
MM - Eu disse muitas vezes e vou repetir quantas forem necessárias: O problema não é com a dança em sim, mas com as roupas e com a imagem das dancarinas deixada pelos filmes.
Se você revelar ser Rakassa (dançarina) - todo mundo vai pensar naquela garota com roupas mínimas, dançando sensualmente em um clube noturno e saindo com homens para qualquer lugar. Mas, essa idéia é tão distante daquilo que nós bailarinas acreditamos .
A mulher egípcia que escolheu ser artista professional, principalmente dança, deve ser forte o bastante para suportar todos os desafios. Sem dúvida muias propostas virão, mas você precisa ser firme e autêntica naquilo que propõe e isso compensará seus sacrifícios. Ninguém assume oficialmente que é profissional de dança no Egito porque um monte de censuras e preconceitos sobre a categoria prejudicarão sua vida.
"A melodia do accordion permeia cada poro de minha pele e
transforma dentro de mim, na minha essência e
transborda para fora em movimentos.
É uma benção, uma sensação maravilhosa
quando estou no palco. Eu acredito que toda
interprete passa por profundas experiências
quando passa a dançar no Egito...é inevitável!"
De vez em quando é frustrante não dizer aquilo que eu sou tão orgulhosa e aquilo faz parte de mim, aquilo que eu sou: mulher, latino americana, bailarina. Mas, este é o lugar que eu moro, que eu escolhi morar. Eu preciso me adequar às regras. Eu não vim aqui para descrever todas as coisas ruins ou focar minha atenção no que é negativo. Na vida temos tantas outras coisas e eu estou morando aqui. Coisas ruins têm em todos os lugares, você tem que se adaptar ao lugar onde você está o contrário é impossível, nunca todo um lugar irá se adequar a você!
IZ- Existe alguma coisa, ritmos, progressão musical, etiqueta etc que você não conhecia antes de começar a dancar no Egito? Como a cultura egípcia ajudou você a entender mais a dança oriental?
MM - Eu nem consigo contar o quanto eu tenho aprendido aqui! A primeira coisa de etiqueta, é o contato quando alguém aprecia a sua dança. Inicialmente, se alguém queria tirar foto ou me cumprimentar eu ia logo abraçando, mas o contato físico por aqui se resume a um balanço de mãos. Isso é exatamente o oposto que uma latina americana espera.
Falando da dança: eu aprendi a explorar mais a "cadenza" que não existia para mim antes. Essa "candeza" é a essência, é ouvir, é a pausa: SENTIR. Resumindo: Eu comecei a desfrutar cada nota musical, como se eu estivesse comendo algo muito bom e não quisesse terminar. cada palavra das canções deve ser sentida e interpretada. Grandes compositores como Om Kalthoum e Abdel Halim Hafez não podem ser interpretados de forma apressada, corrida, precisa ser profundo.
A melodia do accordion permeia cada poro de minha pele e transforma dentro de mim, na minha essência e transborda para fora em movimentos. É uma benção, uma sensação maravilhosa quando estou no palco. Eu acredito que toda interprete passa por profundas experiências quando passa a dançar no Egito...é inevitável!
IZ- Como é a sua rotina no Nile Pharaoh Cruise Restaurant?
MM - Eu não tenho rotina. Minhas horas dependem das reservas feitas. Eu tenho assinado contrato por dias de trabalho e folgas. Mas, pode acontecer que um grupo faz uma reserva durante minhas folgas. Mas eu AMO DANÇAR, nunca fico brava, mesmo se eu danço de tarde e de noite...eu amo meu trabalho.
IZ – Eu estou me referindo agora nas fofocas que invadem a vida pessoal. Seu noivo (Mohamed Reda) é parte da sua orquestra. Você teve problemas com fofocas? Eu cheguei a ouvir histórias sobre dançarinas que arrumaram contrato pelo relacionamento com musico etc...As pessoas falam muito por trás não é?
MM - Você não tem idéia como as pessoas falam - "Magda dança no Cruzeiro porque o Mohamed toca lá!" - Eu dou risada... Eu tenho todas as razões para rir alto.
Quem é Mohamed Reda? É o filho de um muito talentoso músico e compositor, de uma família de muitos outros talentosos músicos. Isso é o que as pessoas vêem, mas atrás do show Mohamed é engenheiro de computação e começa todo dia cedo a trabalhar no escritório do governo. Ele não é um "empresário" (pessoas conhecidas por promover você e produzir seus shows). Ok, é verdade que quando eu substitui a dançarina, o Mohamed me ajudou, mas no momento do show quem estava dançando era eu e não ele. Ele nem estava presente.
Outra coisa que eu preciso esclarecer: Quando eu estava em processo de audição o meu empresário era outra pessoa bem distante do meu noivo e do pai dele, minha orquestra também era outra completamente diferente.
Depois de alguns meses eu pedi para ele me ajudar e ser meu empresário, o que me custou bastante, pois ele foi bem relutante, pensando naquilo que as pessoas poderia falar.
Algumas pessoas precisam entender que eu não me tornei profissional da noite para o dia, apenas pisando no Egito. Eu tenho anos de treinamento e eu acredito no meu trabalho e no meu esforço. Muita gente odiará isso, sinto muito!
Alguns detalhes é melhor que Mohamed cuide como papéis, cachê, contrato. Em uma sociedade como a egípcia é mais fácil ter o seu homem cuidando de você. mohamed me ajuda muito e eu tenho sorte de não estar atrás de uma comissão de "empresários".
As pessoas falam muito deve ser porque meu nome tem um gosto bom na boca delas, mas minha energia está direcionada para as coisas importantes. Todos você estão convidados a vir e assistir meu show e me dizer o que você acham da minha dança!
IZ - O que você diz sobre bailarinas que depreciam passam uma idéia completamente ruim sobre o Egito?
MM - Eu penso que depende naquilo você foca. Se você está focada em tudo que é ruim, até a Disneylandia será horrível! Eu acho que quando alguém descreve o Egito de forma negativas pode estar desencorajando outras bailarinas de tentarem a vida por aqui. Tem muitas fantasias e muita fofoca! Dançar profissionalmente aqui não é fácil. Muitas dançarinas vieram e nunca conseguiram contrato, você precisa ser paciente e habilidade para se adaptar a uma outra realidade, mas não induza outras pessoas com falsas impressões, não crie histórias e fale sobre coisas que você desconhece!
IZ - Quais são as coisas boas e as ruins do Egito?
MM - No começo, era ruim não saber o idioma fluentemente e ficar doente por tomar água. Esses problemas não existem mais. A única coisa frustrante é não poder assumir publicamente que eu sou bailarina e esperar que as pessoas me vêm como uma artista.
As boas? Eu enriqueci minha dança e cresci muito professionalmente. Eu aprendi a separar a "Magda artista" da "Magda pessoa".
Estar estabelecida pelo contrato e ter um público que vem especialmente te assistir não justifica ficar em casa por preguiça. Você precisa dar o melhor de si.
Eu estava dancando no aniversário de falecimento do meu pai, com um sorriso dedicado a ele. Eu já dancei doente e depois de um dia ruim, mas vribando com todo o meu coração. O grande segredo é como você transforma o ruim em positivo.
IZ- Quem você considera um grande interprete ou choreografo/a que te inspira e o que você admira neles?
MM - Primeiro, Amir Thaleb, definitivamente. Eu sempre digo para ele: "Você é meu pai artístico". Eu admiro ele como interprete e como professor. Ele é sublime durante as aulas e mágico no palco. Agora, no Egito, é difícil, eu posso destacar várias profissionais egipcias do passado, de agora e não egipcias também, mas eu escolho: Dina. Eu assisti ela dançando vestindo apenas um vestidinho preto e ela não precisa de nada mais...eu amo a paixão dela ao dançar. Como professora eu amo Madame Raqia Hassan. Ela é generosa quando ensina...é algo incomum entre as professoras. Eu amo as coreografias dela!
IZ –E agora quem você considera estrelana dança oriental?
MM - Essa questão é complicada. Tem muitas dançarinas talentosas: Dina, Randa Kamel, Asmahan, Joana... elas dançam a um bom tempo...também tem novas dançarinas com muito talento, mas elas estão apenas começando a jornada.
IZ- Como você se vê, interprete de danca oriental no Egito nos proximos anos?
MM - A verdade é que eu me vejo dançando. Eu quero dançar o quanto eu puder, é minha vida. Talvez o futuro me reserve algo e eu nao possa dançar no Egito. Mas se isso acontecer eu estarei dançando em outro lugar. Independente de tudo minha essência nunca irá mudar. Existem vários segredos para continuar o caminho de sucesso: "Você precisa saber para onde você está indo e nunca se esqueça de onde você veio". Eu ainda sou a mesma "Magda" que descobriu o Cd do Amr Diab. E mesmo que venha mais e eu me torne uma grande estrela como as que eu admiro, nunca deixarei de ser eu mesma.
Magda com Raqia Hassan |