Danca do Ventre Herança Ancestral - uma entrevista com Cristina Antoniadis
Tsifteteli komara(clique)
Eu ainda estou maravilhada com a riqueza desta entrevista. Indispensável para quem estuda a Dança do Ventre e tem uma preocupação em respeitar as tradições do Oriente Médio, pesquisar a fundo os estilos, os ritmos e o folclore de cada país.
Agradeço a Cristina por ter concedido a entrevista e compartilhado seus conhecimentos e história.
Agradeço a Cristina por ter concedido a entrevista e compartilhado seus conhecimentos e história.
Cristina Antoniadis é de família grega, professora, bailarina e coreógrafa de Dança do Ventre e dancas folclóricas gregas, também proprietária do Pandora Espaço de Danças em São Paulo. Seu trabalho é voltado à essência da Dança Feminina Oriental se destacando pela autenticidade do seu estilo onde podem ser observados diferentes heranças culturais. Estudou com professores conceituados e tem uma longa história de desafios e vitórias em relação à Dança do Ventre. É casada com o músico,cantor e compositor Sami Bordokan.
IZ - Como sua carreira em Dança do Ventre começou? Teve algum momento especial em sua vida que pontuou essa decisão em seguir os caminhos da danca?
CA - Eu danço praticamente desde que nasci, como venho de família grega, as danças tradicionais são muito presentes em nossos universos e sempre me identifiquei muito com isso.
Comecei a estudar as danças gregas aos 7 anos e sempre fui apaixonada pelo "tsifteteli" (estilo grego de DV). Iniciei minhas aulas de dança do ventre em 1995 com a professora Cláudia Parolin, e para minha surpresa já na primeira aula ela me passou para o nível intermediário pois todos os movimentos e ritmos de base eu já conhecia.
Comecei então a fazer shows juntamente com a Cláudia e em 1998 já estava dando aulas de Dança do Ventre no Centro Comunitário do Alto de Pinheiros.
Mas a dança sempre foi minha atividade paralela, me formei em Administração, pós graduei em Finanças e trabalha na área de auditoria, entretanto não era feliz, não via a hora de chegar minhas férias ou feriados para poder ficar só dançando, até que somatizei tudo isso e fiquei muito doente, tive sérios problemas na empresa onde trabalhava.
Em 2002 literalmente "chutei o balde" e fiquei desempregada, pela primeira vez na vida adulta me vi dependente financeiramente dos meus pais e isso também me fez muito mal.
Estava estudando para concurso público na área de auditoria, me afastei completamente da dança e fui ficando cada vez mais deprimida.
Em 2003 comecei namorar meu marido Sami Bordokan, que é músico árabe, alaudista e cantor, e todo o universo da cultura oriental ficou muito presente novamente em minha vida, e isso foi me fazendo muito mal também, pois estava empenhada em outra coisa, mas voltei a dar aulas.
Estávamos muito apaixonados então queríamos resolver logo nossa situação, daí resolvemos abrir uma casa noturna, o "Café Aman" na qual teria música e dança orientais.
Enfim eu teria oportunidade novamente de dançar, mas a rotina administrativa do estabelecimento me consumiu e tive que me afastar novamente. Casamos em 2005 e em 2006 engravidei, daí parei mais uma vez pois meu médico me proibiu de trabalhar a noite no estabelecimento (eram muitas horas em pé e na época não tinha lei anti-fumo, o que agravava muito a minha saúde pois sou asmática).
Já muito infeliz com minha vida profissional resolvi virar dona de casa e cuidar da minha filha.
Vendemos o Café Aman e fomos morar no litoral. Quando minha filha já estava com aproximadamente 1 ano eu senti muita necessidade de voltar a trabalhar, tinha feito um curso de cabeleireira, então comecei a trabalhar num salão, voltamos para São Paulo por conta do volume de shows do Sami e comecei a trabalhar num salão aqui.
Mas ainda não estava feliz e no fundo da minha alma a depressão me corroía por não dançar mais. Estava 10kg a mais e minha auto estima no pé.
"(...) eu não podia mais fugir
do meu destino e viver sem dançar,
que precisava me dedicar àquilo
que eu tanto amava e que
só assim eu seria feliz,(...)''
Em 2008 fui obrigada a sair do salão onde trabalhava, e nada mais me fazia sentido, quando inesperadamente, me surgiram vários convites para dançar.
Não sabia o que fazer, eu estava gorda, meus cabelos curtíssimos e super fora de forma, meu marido me incentivou, ele tem alma de artista e por isso entendia a minha tristeza.
Me senti tão realizada dançando que foi então naquele momento que percebi que eu não podia mais fugir do meu destino e viver sem dançar, que precisava me dedicar àquilo que eu tanto amava e que só assim eu seria feliz, e foi o que eu fiz daquele momento em diante.
IZ- Sua mãe é grega, o pai egípcio e o marido libanês (Sami Bordokan), como lidar com três diferentes fontes de inspiração e aprendizado?
Com certeza é muito inspirador ao mesmo tempo que castrador pois a carga de preconceitos em torno de uma filha, nora, irmã... bailarina é pesada!!
Minha mãe é nascida em Athenas e meu pai, apesar de nascido no Cairo, é de família grega, especificamente cipriota e da atual Turquia. Ouço música oriental desde sempre, e os sons e ritmos da música árabe são muito familiares para mim assim como os costumes, tradições e jeito de levar a vida. Sempre frequentávamos as festas da comunidade, e o casamento entre árabes e gregos é algo muito comum, principalmente aqui no Brasil.
A colônia grega aqui no Brasil é muito pequena e acabamos por diversas vezes procurando um refúgio na colônia árabe, seja nos empórios onde conseguimos encontrar ingredientes que usamos em comum nas nossas culinária, seja nas igrejas ortodoxas, e também nas festas e confraternizações, e por muitas vezes o inverso também acontece, não é raro encontrar árabes nas festas gregas, pois são culturas muito similares.
A família do Sami é 100% libanesa, as tradições também encontram-se bem fortes ainda, e para mim era tudo muito natural em virtude desta similaridade. Minha união com o Sami só me fez arraigar ainda mais minhas raízes, e o fato dele ser músico árabe me possibilitou entender vários detalhes que eu percebia e sentia na música oriental mas até então não sabia os porques.
"Ficou muito estereotipada
esta associação entre DV e Egito,
devemos nos lembrar que a dança do ventre
é uma dança quase que intuitiva e que
se manifestou de várias formas
e em várias culturas."
IZ - Teve alguma história relacionada à DV que você aprendeu diretamente de sua familia? conte-nos
Tem várias. Minhas primeiras "aulas" de tsifteteli foram com minha mãe, morávamos num apartamento enorme no Bom Retiro, eu tinha cerca de 4 anos e me lembro muito bem da vitrola e do tapete verde no qual bailávamos.
Minha falecida Tia Irini também marcou muito, também nascida no Cairo, falava o árabe fluente e sempre cantava e dançava enquanto se ocupava dos afazeres domésticos e também nas festas.
Quando eu tinha 6 anos de idade, moramos na Grécia e me lembro que estávamos andando pela Plaka (centro antigo) numa noite de calor e numa das tavernas havia uma bailarina vestida de vermelho, em queda turca, movendo moedas no seu ventre, na verdade acho que foi ali que percebi que queria dançar para sempre. Também tinham as vitas VHS da minha avó materna, na época só rodavam em aparelhos específicos os vídeos que vinham da Grécia ou do Oriente Médio, então sempre que aparecia uma bailarina nestes filmes ela me chamava para eu ver pois sabia que eu gostava. Sem contar as histórias que meu pai contava do Egito sobre as bailarinas, a preferida dele era falar que elas eram "enormes" e estavam sempre com sagats (snujs).
IZ - Quando falamos de DV automaticamente nos vem o Egito, mas outros países têm essa danca como manifestação cultural - Um deles é a Grécia.Conte-nos um pouco da historia da DV na Grecia.
Ficou muito estereotipada esta associação entre DV e Egito, devemos nos lembrar que a dança do ventre é uma dança quase que intuitiva e que se manifestou de várias formas e em várias culturas.
A história do oriente é milenar e as trocas culturais sempre foram intensas, onde e como surgiu será muito difícil sabermos, mas sabemos que ela existe e já existia em diversas regiões além do Egito.
Existem muitas estátuas e pinturas da civilização grega e helênica que podemos associar à dança do ventre, algumas datam do auge da civilização cretense ainda matriarcal.
IZ - A palavra Tsifeteli significa DV na Grecia, mas tambem está conectada a um ritmo. Esse ritmo é para danca do ventre? Qual a diferença com o termo turco Chifteteli?
Não há diferença nenhuma entre o termo grego e o turco a não ser a pronúncia. Este termo vem do grego arcaico e significa 2 cordas.
Originalmente o tsifteteli era tocado num instrumento chamado "baglamá" que só possuía duas cordas.
Baglamá |
Hoje em dia é dado este nome ao ritmo que muitos conhecem como "Wahda U Noz", na atualidade ele é tocado também de forma acelerada, mas a estrutura rítmica é a mesma.
Na Grécia e na Turquia associa-se o nome deste ritmo à dança também.
IZ - Existe alguma relação concreta entre a Dança de Espada com a DV Grega?
Nunca ouvi falar nisso e nem percebi em minhas pesquisas. Os sagats ou zills (zília em grego) sim, são instrumentos de origem grega, da Era do bronze, já a dança com a espada eu não sei dizer, acredito que é uma dança de caráter mais "circense", com o objetivo de impressionar quem assiste, portanto uma dança com a espada pode ser encontrada em qualquer cultura, seja grega, egípcia, libanesa e etc...
IZ - Uma professora me disse uma vez que os shimmies não fazem parte do estilo grego, somente ondulações e cambrets. Vc concorda?
Mais ou menos. O problema da DV grega é que muito se perdeu devido aos desencontros históricos e culturais, a xenofobia aos turcos contribui muito para isso, eu tento reconstruir mas não é uma tarefa fácil.
O que as professoras tem como referencial hoje seria o que as mulheres gregas dançam no seu dia a dia, mulheres estas que não são profissionais de dança e não a fazem com caráter cênico.
Como o shimmie de quadril requer uma certa técnica, realmente você não vai ver nenhuma moça numa festa grega "shimmar", assim como eu nunca vi nenhuma moça libanesa fazê-lo em festas árabes, mas isto não quer dizer que não faça parte do estilo.
Os "shimmies" de ombro e peito por exemplo ainda são bem presentes, inclusive entre os homens.
IZ - Aos meus olhos a DV grega e a turca são estilos muito parecidos, o que vc poderia destacar como diferencas marcantes?
Na verdade a DV turca é uma fusão entre a grega e a síria-libanesa. Quando os turcos (vindos do Turcomenistão) dominaram a Ásia Menor em 1463, já existia alí uma cultura fortemente estabelecida há mais de 5.000 anos e que estava no auge do Império Bizantino, muito desta cultura foram por estes turcos assimilada o que culminou no que é hoje a cultura turca.
O que acredito ser muito similar entre os dois estilos, além do ritmo é claro, são os movimentos amplos, a dança no chão, cambrets e a postura na qual a pélvis fica sutilmente pronunciada a frente do corpo(eixo), características bem marcantes nos dois estilos.
"(...) A técnica se consegue
através da repetição intensa,
o marketing qualquer um pode ter
com um pouco de dinheiro no bolso,
já o comprometimento
e seriedade com
a cultura alheia é outro papo,
e nisso acho que o Brasil
ainda está muito a desejar (...)"
IZ - Karsilama é um ritmo nos Estados Unidos, mas uma danca folclorica na Grecia. Vc acha válido estudar o Karsilama ritmo para a DV?
Karsilama é um ritmo e uma dança na Grécia (geralmente na Grécia os nomes das danças levam os nomes dos ritmos) e na Turquia também. Esta é uma dança folclórica, dançada originalmente em formação de casais ou circular, totalmente saltitada, não vejo relação nenhuma com a DV.
Acontece que atualmente foram compostas músicas para dança do ventre nas quais aparecem este ritmo no meio. O que fazer? Neste caso vai ter que fazer igual ao khaligee, zaar, said e etc, estudar o folclore e fazer uma menção a ele no momento da dança, realmente, não dá para fazer qualquer coisa ou ficar rebolando estranhamente pois o ritmo não permite isto.
IZ - O que você pensa sobre a Danca do Ventre no Brasil?
A Dança do Ventre no Brasil está passando por uma fase de transformação, fico feliz quando percebo que as pessoas estão mais conscientes do que fazem e buscam beber as informações na fonte.
Por outro lado, a falta de critérios para ser uma profissional da dança aqui no Brasil me incomoda um pouco, principalmente nos aspectos culturais. Vejo também uma preocupação demasiada com a técnica dos movimentos e o marketing pessoal.
A técnica se consegue através da repetição intensa, o marketing qualquer um pode ter com um pouco de dinheiro no bolso, já o comprometimento e seriedade com a cultura alheia é outro papo, e nisso acho que o Brasil ainda está muito a desejar.
Para quem quiser saber mais informações sobre a Danca do Ventre Grega e seus ritmos, a Cris tem um blog com otimos artigos:
Greek Belly Dance -Tsifteteli
Arabes e Gregos - A semelhança não é mera coicidência
Para quem quiser saber mais informações sobre a Danca do Ventre Grega e seus ritmos, a Cris tem um blog com otimos artigos:
Greek Belly Dance -Tsifteteli
Arabes e Gregos - A semelhança não é mera coicidência
Adorei! Sou amiga dela no facebook e agora a admiro mais ainda! Com certeza, o tsiftendeli ainda é muito presente na Grécia, representando a liberação feminina e a expressão da sensualidade oriental. Parabéns à Cristina e à dona do blog, do qual virei seguidora, pela excelente entrevista!
ResponderExcluirAdorei o artigo e saber mais sobre a história da grande Cristina Antoniadis!
ResponderExcluirParabéns Zahara, pela iniciativa de entrevistá-la e pelo seu blog (muito rico).
Parabéns Cris, por sua determinação, dedicação e talento!
Felicidade Eterna a todos!
Mileni Nurhan